quarta, 03 junho 2020 23:04

(Des)governados

Atravessamos momentos únicos da nossa vida e ninguém consegue fazer futurologia. Estamos completamente desgovernados por tudo, por todos e também por nossa culpa por não sabermos antecipar problemas.

Apesar de tudo, há algo que sempre iremos conseguir fazer - adaptação aos novos desafios. 

Existem DJs desde o tempo em que a tecnologia permitiu que uma única pessoa conseguisse "tocar musica gravada" (excluindo o aparecimento das grafonolas) e sempre houve adaptações e mudanças.

Provavelmente, nunca terá havido tantos recursos tecnológicos que permitissem adaptações como existem nos dias de hoje e cabe a cada um de nós pensar e implementar essas adaptações.
 
É certo que todos estamos desgovernados e até desesperados porque a principal fonte de rendimentos de um DJ é por norma as suas actuações e não havendo eventos ou espaços físicos com público para o fazer, as alternativas são escassas. O streaming é a opção lógica mas jamais poderá trazer a rentabilidade, o sentimento, a "magia" das actuações em "contacto" com o público, no entanto não nos podemos esquecer que num passado recente, muitos DJs usavam a rádio para ganhar a notoriedade que têm nos dias de hoje e as diferenças para um streaming são apenas em termos de imagem e suporte em que são transmitidas. 
 

Não tenho a pretensão de imaginar ou prever o futuro deste sector mas tenho a certeza que servirá como triagem para muitos amadores e profissionais ficarem pelo caminho (…)


Não tenho a pretensão de imaginar ou prever o futuro deste sector mas tenho a certeza que servirá como triagem para muitos amadores e profissionais ficarem pelo caminho, deixando a quem tenha perseverança um caminho aberto para o futuro quando esse mesmo futuro voltar a permitir o regresso dos DJs ao seu habitat natural. 

Sim, estamos desgovernados (todo o sector e não apenas os DJs) mas não existem soluções no imediato. 

Nada será como foi e com maior ou menos adaptação, maiores ou menores mudanças, o DJ pode estar "infetado" mas não irá "morrer".
 
Ricardo Silva
DWM Management
Publicado em Ricardo Silva
domingo, 17 fevereiro 2019 23:28

Os ciclos

O que podemos esperar de 2019? 
Um novo ano entrou e a apreensão que sentimos no seio da indústria da musica electrónica em Portugal é evidente. 
Em 2017, num dos artigos de opinião que escrevi para a 100% DJ, fui criticado quando afirmei que estávamos "a chegar ao fim do EDM". Hoje, é claro para todos que o EDM (electro, progressive, big room) está em queda e a adaptar-se a um novo ciclo.
Poderia fazer um exercício com cada um de vós para encontrar motivos e justificações, mas não existem. 
Tudo tem um ciclo, "sai de moda" e tem uma ascensão, pico e declínio. 
É certo que os estilos a que chamamos EDM (erradamente, porque EDM é uma sigla que abrange toda a música electrónica) não irão desaparecer, simplesmente deixarão de ser a principal referência para os amantes da Dance Music, e produtores e DJs terão de adaptar-se, reinventar as suas produções e actuações ou optar por manter o seu registo e identidade, tendo a noção que irão trabalhar para "um nicho de mercado", tal como outras sonoridades mais "clubbing" tiveram de fazer e "aguardar". 
 
Talvez esteja errado mas não consigo imaginar o aparecimento de nada de novo na música electrónica. Poderá aparecer algo "criativo" com alguma fusão de estilos, mas coloco muitas dúvidas que apareça um "Dubstep, D&B, Hard Style ou uma variação da House Music" que consiga afirmar-se como "novo ou inovador". Estou convicto que os ciclos serão cada vez mais rápidos e passageiros, tendo as diferentes sonoridades um nicho muito próprio de seguidores. 
 
Então e em Portugal? 
Portugal não é diferente e assistimos neste último ano ao desaparecimento de dezenas (para não dizer centenas) de DJs e produtores, sendo cada vez mais difícil a afirmação de novos talentos sem terem um elevado investimento financeiro que lhes permita ter uma equipa, meios de comunicação e marketing e uma rede de contactos que os acompanhe e catapulte para o mercado. 
Em termos de sonoridades também não somos diferentes do resto do mundo. 
Há um claro regresso das vertentes mais "House", o Techno está em novo crescimento e as sonoridades com vocais (letras completas) ocuparam o espaço do que antigamente chamava-mos de "comercial". 
O mercado (leia-se pessoas/consumidores) é e sempre será quem tem a última palavra e tudo o que julgamos prever ou ter certezas, não passa de uma leitura dos sinais que o mercado vai dando. 
 
Termino este primeiro artigo de opinião de 2019 com uma palavra para a 100% DJ, a quem parabenizo por mais um ano e agradeço o convite para continuar esta longa parceria/participação. 
Publicado em Ricardo Silva
Tempo de pandemia e estado de emergência é também tempo de uma reflexão sobre o impacto da nossa área e nas consequentes mudanças no futuro. Neste momento, a incerteza é sem dúvida a maior preocupação numa indústria que foi fustigada pela necessidade de parar a sua actividade, muito antes de todas as outras áreas de sociedade.

A indústria da música, uma área fundamental da cultura, vive tempos difíceis. Músicos, técnicos, agentes, promotores e todos os restantes postos directos e indirectos de trabalho gerados por esta área que em muito contribui para a sociedade, estão com o seu futuro em suspenso.

Em Portugal como na maioria dos países do mundo urge a necessidade de um plano de contingência que passa pela preservação da saúde pública e pelo controlo social e económico. Essas medidas implicam estabelecer prioridades e a música não é assim considerada numa primeira fase. No nosso país por força da sazonalidade da nossa actividade existe muito trabalho considerado precário. A curto prazo terá de ser criado um fundo/linha de apoio excepcional para determinadas áreas da sociedade como a indústria da música e do entretenimento em geral. Se é prioritária a saúde pública e a contenção da pandemia, implica que eventos sejam cancelados ou adiados, tendo em conta que são foco de provável contágio.

Todos aqueles que estão directa ou indirectamente dependentes desses mesmos eventos estão impedidos por tempo indeterminado de exercer a sua actividade, mesmo quando toda a sociedade estiver já de volta ao seu normal funcionamento. É com certeza imprudente acelerar a retoma dos eventos e espaços de diversão, sob pena de assistirmos a uma "segunda vaga" de surto da epidemia que poderá ser mais penalizadora e certamente atrasará a retoma à normalidade.

No entanto é fundamental criar medidas de apoio e um organismo que lidere esse processo de uma forma estruturada.

Este é o momento certo para a indústria da música se unir de uma forma organizada e concertada à imagem de outras áreas. Apenas com uma estratégia será possível salvar uma indústria que ficará exposta.

É sem dúvida um momento único e ímpar na sociedade moderna que vivemos. Como em todas as "guerras" existem consequências, momentos de crise e readaptações para o futuro.

Podemos estar perante uma crise sem precedentes, talvez a mais dura e com maiores consequências, mas é também um momento de mudança de hábitos, de consciência social e de adaptação a uma nova realidade.
Numa fase em que é ainda imprevisível prever o que acontecerá com a economia e sociedade em geral, a música tem e terá sempre um papel fundamental na sociedade e mesmo em tempo de confinamento tem a capacidade de transmitir emoções. Cabe aos músicos e restantes intervenientes continuarem a brindar o público com a emoção e alegria que apenas a música é capaz.

A sociedade e os governantes têm o dever cívico de preservar esse bem tão precioso que contribuiu diariamente para o bem-estar de todos, num momento que é difícil mas que testa a capacidade humana de se superar e reinventar.

Devemos todos contribuir activamente mantendo as regras de afastamento social e medidas de prevenção. Só assim poderemos voltar a fazer festa em breve!

#StaySafe #VaiCorrerTudoBem
 
Fernando Vieira
Publicado em Fernando Vieira
domingo, 17 março 2019 16:41

Valores

Este tema é algo que até mesmo eu não sei expressar a 100%, mas vou falar-vos um pouco dos valores que devemos considerar válidos e no limite da humildade, e também dos cuidados que nós artistas devemos ter em conta quando nos propomos a um público. 

Todos sabemos que a música eletrónica entrou na "moda" há alguns anos, e, consequentemente o número de DJs/Produtores/Sonhadores/Amantes aumentou ao longo desde esse período. 

No contexto artístico onde estou inserido, já me deparei com inúmeros casos onde o artista elabora enormes riders hospitaleiros, com direito a camarim de luxo, bebidas de marcas caras, toalhas PRETAS, entre outras tantas coisas... Perguntam-me "O que tens contra isso?" Respondo claramente que nada e considero que os artistas se valorizem e peçam aquilo que acham indispensável para o dia da sua performance. Mas será que depois na hora da atuação estão em condições de alguma coisa? Parece que alguns não compreendem que estão a tocar para o público, que estão a ser pagos e que têm de agir como qualquer contratado em qualquer outro serviço. Refiro isso porque há muitos artistas que antes da atuação bebem exageradamente, fazem uma vida de excessos antes de entrar em cena e depois "dá barraca".  O porquê de escrever sobre este tema não é nada contra quem o faz, porque sinceramente não me importo com o nível de atuação de A, B, ou C, escrevo apenas porque prentendo chamar a atenção dos excessos no meio onde estamos. Todos nós nos dizemos ser grandes artistas, falamos bem de nós próprios a toda a hora e considero isso positivo, no entanto é necessário fazer valer o que dizemos. Sinto até que seja um pouco imaturo não nos sabermos comportar dentro do nosso espaço de trabalho, a cabine. 

Para além disso, há ainda aqueles que não sabem ser educados com os colegas de trabalho, não me refiro a colegas/artistas, mas sim Técnicos de Som/Luz/Produção/Organização/Fotógrafos, etc... Sim, porque somos todos parte de uma comunidade! Comunidade esta em que precisamos uns dos outros para trabalhar, onde os artistas aparentam ter algum complexo com a comunicação, porque muitas vezes são mal-educados e chegam a ser desagradáveis para quem com eles está a trabalhar. 

"CAROS AMIGOS DJS, NÓS NÃO SOMOS REIS DE NADA, NÃO SOMOS ESTRELAS E O MUNDO NÃO GIRA À NOSSA VOLTA".

Entendam que não precisamos ser arrogantes para quem está a trabalhar. Temos espaço para ser artistas, músicos e na nossa cabeça até temos espaço para ser estrelas, mas acima de tudo devemos ser pessoas, e boas pessoas, porque só assim deixamos a nossa marca. Este é realmente um tema que me incomoda, não por viver isso na pele, mas porque já vi acontecer inúmeras vezes.

Nunca se esqueçam desta lista:
Sem Técnico de Som: Não ouvimos 
Sem Técnico de Luz: Não vimos
Sem Produção: Não comemos 
Sem Organização: Não recebemos 
Sem Fotógrafos: Não recordamos 
Sem Público: Não nada.
 
Zinko
Publicado em Zinko
sexta, 11 outubro 2019 22:20

O lado B do Hiphop

Hoje em dia quando falamos de Hiphop, de uma maneira geral, referimo-nos ao género musical composto pelo DJ/produtor e o MC (Mestre de Cerimónia), ou cantor. Mas se voltarmos ao início, ao nascimento deste estilo musical, a realidade é que não estamos a falar de Hiphop, mas sim de RAP (Rhythm and Poetry ou Ritmo e Poesia). 
Quando se fala em Hiphop nos seus primórdios, em meados dos anos 80, estamos a falar de todos os elementos que compõem uma cultura. Ou seja, a maneira especifica de vestir, a maneira de comunicar, as diferentes formas de expressão artística, tais como o Graffiti e o "Writing", o Breakdancing (B-boys e B-girls) e também o DJ e MC.

Ou seja, quando falamos do Hiphop, na sua forma mais genuína, estamos a falar de uma forma de viver a vida. E não apenas de um estilo musical. 

Com o passar do tempo, o RAP foi ganhando terreno no seu percurso, chegando a atingir um patamar mais "mainstream" e mais aceite pelo público em geral. Por consequência, indirecta ou não, o RAP acabou por influenciar diversos estilos musicais, principalmente a música POP que ouvimos hoje. Daí ouvirmos falar em Hiphop como género musical, quando na realidade a definição "correcta" será RAP. No entanto, continua a ser um tema bastante debatido, e algo controverso, porque não deixa de ser um estilo que abrange inúmeras influências musicais e culturas diferentes.

Como DJ à 18 anos, gostava de transmitir uma mensagem a todos os iniciantes a esta arte de Djing: Este estilo musical é o mais difícil de se tocar, e o mais difícil de começar a treinar, mas também é dos mais ilimitados, porque quem sabe tocar Hiphop, sabe tocar tudo.

A dificuldade de dominar este estilo dá-se a diversos factores, sendo um deles a grande presença vocal em cada faixa. Obviamente, quando estamos a misturar duas músicas, não queremos duas vozes a atropelarem-se uma à outra, criando uma confusão vocal tal que até os menos entendidos na matéria se apercebem que algo de muito errado está acontecer na pista de dança.
Logo aí temos um grande obstáculo para ultrapassar visto que, ao contrário da música eletrónica, não temos versões com introduções mais longas ou "amigas" do DJ que nos facilitam bastante as misturas. No Hiphop temos de usar outras maneiras de introduzir as músicas, fazendo-as soar o melhor possível e sem atropelamentos. 
 
Este estilo musical é o mais difícil de se tocar, e o mais difícil de começar a treinar, mas também é dos mais ilimitados, porque quem sabe tocar Hiphop, sabe tocar tudo.

Este é um dos factores que torna este género de música tão desafiante. Exige mais horas de treino e muito mais "trabalho de casa", obrigando o DJ a tornar-se num profissional com muito mais "bagagem", conhecimento e experiência. Com todo este trabalho, depois de horas infindáveis de treinos intensivos, não há nada melhor do que pôr tudo isto em prática e usar todos os conhecimentos adquiridos para rebentar as pistas em nome próprio. 


No entanto, existe uma vertente igualmente gratificante, e muito importante, que é pouco falada na indústria: acompanhar artistas nas suas digressões. No hiphop (ou no RAP), os DJs são um elemento essencial, e geralmente ignorado, para o sucesso do estilo musical. 

Isto pode acontecer de diversas maneiras, o DJ tanto pode fazer parte da banda do cantor, como pode adicionar arranjos musicais únicos, acrescentar as suas competências de Turntablism/Scratch ou mesmo pisar o palco ao lado do artista e acompanhá-lo, disparando as suas "backing tracks", substituindo uma banda. 

Esta vertente do Djing apesar de pouco falada, eleva o papel da profissão e mostra a sua versatilidade, pois existem inúmeras vantagens em partilhar um palco com um DJ. Uma delas, e uma das mais importantes para mim, é a possibilidade de fazer um curto DJ set para aquecer o público antes do artista entrar em palco.

E claro, quanto melhor e mais bem preparado estiver o DJ para entrar em palcos, que podem parecer enormes quando se entra sozinho, e causar o impacto necessário para fazer a diferença no espectáculo, melhor a probabilidade de o público estar mais receptivo  a receber calorosamente o artista, o que vai fazer toda a diferença no show. 

Podem não dar valor a um que DJ que não faz mais nada para além de disparar músicas do cantor X e há até quem pense que qualquer pessoa sem conhecimento de Djing o consegue fazer, mas eu não gosto de menosprezar essa vertente. A verdade é que quanto melhor e mais experiente é o DJ que assume esse papel, mais facilmente se minimiza a probabilidade de falhas, técnicas ou não, que por vezes estão fora do controlo do artista, e de toda a sua equipa. Mesmo que passem despercebidas e sejam identificadas e ajustadas rapidamente pelo DJ, antes do público se aperceber da situação. 
 
A verdade é que quanto melhor e mais experiente é o DJ que assume esse papel, mais facilmente se minimiza a probabilidade de falhas, técnicas ou não, que por vezes estão fora do controlo do artista, e de toda a sua equipa.

Outro factor que gosto de referenciar é a cumplicidade na comunicação entre o artista e o DJ. Esta ligação é muito importante para que o espectáculo corra bem e sem falhas, e que se vai adquirindo com tempo e experiência. Por exemplo, se um cantor quiser alterar alguma faixa no alinhamento, se necessitar de uma entrada ou saída mais rápida, ou de uma música fora do alinhamento, muitas vezes nem necessita de falar com o DJ, ele apercebe-se da situação e faz acontecer o mais breve possível. Isto só acontece se tivermos alguém a preencher correctamente esse papel em cima do palco. 


Por fim, o último factor que considero muito importante referir, é a capacidade técnica do DJ como músico, ou seja, a capacidade de adicionar elementos e arranjos musicais orgânicos de forma a colorir e melhorar o espectáculo do artista. Isto pode surgir através das suas capacidades de Scratch/Turntablism, ou também, pela sua formação e estudos de música, adicionando instrumentos ou efeitos que complementam as faixas originais. 

Outra mais valia que merece ser referida, é a sua capacidade vocal. Esta ferramenta é das mais importantes, pois o facto de conseguir estar "à vontade" para comunicar e entusiasmar o público, ou mesmo para cantar, e duplicar as vozes do cantor (backvocals) é uma técnica que pode causar mais impacto do que o vosso melhor "disco". 

Ao longo da história do Djing podemos encontrar inúmeros exemplos de DJs que não só faziam parte de bandas, como em algumas delas eram consideradas o elemento principal. 
Temos o exemplo do pioneiro DJ GrandMixer DXT, que fazia parte da banda do gigante do Jazz / Funk, o Herbie Hancock, como temos bandas internacionais e nacionais de diversos estilos de música com DJs na sua formação, como: Sublime, Incubus, Limp Bizkit, Slipknot, Linkin Park, Beastie Boys, Portishead, Keys n Krates, Da Weasel, Buraka Som Sistema, Boss A.C., Supa Squad, entre outras.
 
DJ Nokin / Professor do Curso de DJ da AIMEC Portugal 
Publicado em Nokin
quarta, 25 novembro 2020 09:06

Uma (CO)vida difícil de compreender...

É realmente muito complicado compreender e aceitar o momento pelo qual estamos a passar. Nove meses de indefinição em relação a tudo o que tenha a ver com as nossas vidas, pessoais e profissionais, nove meses subjugados a uma indiferença quase criminosa da parte de quem nos governa e um desprezo absolutamente insultuoso, no mínimo, por um sector que tanto deu ao nosso País. Como eu próprio, vejo colegas em grandes dificuldades, estabelecimentos a fechar, empresários desesperados por soluções que não chegam, a noite a ser cada vez mais uma lembrança que se desvanece num mar de memórias que parecem cada vez mais nubladas. É triste tomares consciência que após anos a tentar dar o melhor de ti ao teu País, incondicionalmente, quando pela primeira vez realmente precisas dele te apercebes que apenas serves para dar, mais nada. Quando num universo de 100%, tens conhecimento que apenas 2% das infeções deste maldito Vírus são em contexto nocturno, e mês após mês apenas vais tendo conhecimento que as medidas mais apertadas são continuamente para a Restauração, começas realmente a pensar que algo se move contra tudo aquilo pelo qual acreditaste e deste a tua vida durante anos a fio, suportando as cargas fiscais absurdas, condições de emprego absolutamente deploráveis, noites mal dormidas, viagens incontáveis, vida pessoal inexistente, enfim, tudo aquilo que fez com que Portugal seja cotado como um dos melhores destinos turísticos do mundo. DJs, músicos, bartenders, chefs de cozinha, actores, artistas dos mais variadas artes e muitos mais, todos nós sempre levámos o nosso País no coração para todo o lado, quer fosse para o bar do amigo ou para o melhor festival do Mundo. Somos pequeninos mas somos muito lutadores, um país de guerreiros, infelizmente comandados por um bando de cobardes.
 

Será que tinha custado muito pelo menos ter dado uma palavra de conforto, no meio destes nove meses que se passaram, a profissionais que tanto se sacrificaram por esta pandemia e que de quinze em quinze dias ficavam a olhar para a televisão apenas para ver se as palavras "bar" ou "discoteca" saíam da boca de um Primeiro-Ministro arrogante que se recusava quase sadicamente a mencionar estas duas palavras, de um momento para o outro tão mal vistas no nosso país?


Não percebo o sentido de ter a noite fechada antes mesmo de começar, não percebo o sentido de decretar um fim-de-semana de confinamento geral mas só após as 13h, não percebo o porquê de não nos deixarem trabalhar quando somos o sector que mais cuidados tem com a desinfecção de espaços, apenas provavelmente ultrapassados pelos Hospitais. Será que tinha custado muito pelo menos ter dado uma palavra de conforto, no meio destes nove meses que se passaram, a profissionais que tanto se sacrificaram por esta pandemia e que de quinze em quinze dias ficavam a olhar para a televisão apenas para ver se as palavras "bar" ou "discoteca" saíam da boca de um Primeiro-Ministro arrogante que se recusava quase sadicamente a mencionar estas duas palavras, de um momento para o outro tão mal vistas no nosso país? E como ficaram as milhares de pessoas que, de um momento para o outro, viram um País virar-lhes as costas como se fosse deles a culpa de uma situação da qual muito provavelmente são os menos culpados? Será bastante pertinente relembrar a quem tem a memória curta que o sector nocturno foi o primeiro a fechar no início desta Pandemia, e por iniciativa própria, convém não esquecer. Corta-me o coração que sejamos tratados como criminosos apenas porque queremos trabalhar mais uns minutos, apenas porque quem teve o poder de determinar como nos é permitido levar as nossas vidas acha que de um minuto para o outro, as coisas podem correr mal. A grande diferença é que para nós, um minuto a mais é mais uma possibilidade de conseguirmos sobreviver, sim, porque é a isso que se resume tudo isto, sobrevivência. 

Que culpa temos nós que a esta Pandemia se junte uma guerra económica, social e absolutamente monopolizadora daquilo que são os nossos direitos fundamentais, que nos foram tirados sem qualquer tipo de explicação lógica? Que fique claro que eu, como todos os meus colegas, temos consciência que esta é uma guerra, é realmente perigosa e que tem que ser ganha por todos, mas terão que ser sempre os mesmos a serem lançados para a linha da frente? Que culpa temos nós que não haja controle nos transportes públicos ou que os lares tenham uma incidência de infecção assustadora? Que culpa temos dos ajuntamentos ilegais que tantas manchetes fizeram neste Verão? Que culpa temos nós da falta de pulso e coragem para evitar situações como festivais ou comícios políticos absurdos numa altura destas, comemorações religiosas, avistamentos de ondas, ou corridas de carros apenas porque não é conveniente politicamente? E como ficamos agora, já que não têm a quem culpar pelo aumento dos números, será que haverá uma ínfima possibilidade de tudo isto ter sido mal gerido e que a culpa possa ser também vossa, vocês que nunca se enganam? É que no meio de tudo isto que se passou neste últimos nove meses continuamos nós, seres humanos que apenas querem trabalhar, seja em que circunstâncias forem, para que possamos ter condições para viver, podermos alimentar as nossas famílias, os nossos filhos, termos uma vida minimamente digna.
 

Fiscalizem, sejam duros, confinem, façam o que for preciso para travar este vírus, mas façam-no de igual modo para todos, desde o cidadão que vai passear o periquito como desculpa para sair à rua, ao político que pensa que está acima da lei e organiza comícios ridículos e sem sentido apenas porque lhe é permitido.


Fiscalizem, sejam duros, confinem, façam o que for preciso para travar este vírus, mas façam-no de igual modo para todos, desde o cidadão que vai passear o periquito como desculpa para sair à rua, ao político que pensa que está acima da lei e organiza comícios ridículos e sem sentido apenas porque lhe é permitido. Não estejam sempre a castigar aquele que já está no chão, pisado e quase sem capacidade para respirar. Não deixa de ser irónico, um sector que vivia de proporcionar diversão a todos, seja o que menos vontade tem de sorrir actualmente, mas a vida é feita de injustiças, a isso estamos habituados. Ao que não estamos habituados é a sermos ostracizados e discriminados de uma maneira inaceitável e inexplicável. Pensava que já tínhamos passado essa fase há uns bons anos atrás. Só queremos trabalhar, dentro dos moldes que forem seguros para nós e para os nossos clientes, estamos dispostos a tudo, como aliás temos feito no pouco tempo que nos é permitido fazê-lo. Digam-nos, por favor, um sector que tenha investido tanto na segurança, que seja tão profissional na abordagem à pandemia e a todos os cuidados que se devem ter com o seu controle. Preocuparem-se com os cafés, pastelarias e outros é obviamente de louvar, manter-nos fechados e fazerem-nos passar pela humilhação de apenas podermos trabalhar se alterarmos um CAE soa a escárnio. Somos profissionais qualificados, dos melhores do mundo, ganhamos prémios internacionais, e até disfarçados temos que estar para podermos trabalhar? Assim já não faz mal?

Que País é este que despreza o que de tão bom tem apenas porque não tem a quem culpar relativamente a uma situação da qual ninguém tem culpa? Estamos aqui, queremos trabalhar, a horas decentes para o nosso sector, estamos dispostos a tudo, olhem para nós e digam-nos como querem que o façamos mas não deixem a Indústria Nocturna morrer, porque se continuar assim é o que vai acontecer. 

À hora que escrevo esta crónica preparo-me para viajar mais de 200 quilómetros, não para trabalhar, como tantas vezes fiz, mas para me ir juntar aos meus colegas para juntos lutarmos pelos nossos direitos, algo que pensava que nunca mais iríamos ter que fazer após o 25 Abril. Apesar de tudo irei com todo o gosto e mais forte que nunca, porque apesar de tudo, tal como esses mesmos colegas, sou Português, daqueles a sério, que lutam, trabalham e olham uns pelos outros porque isso nunca ninguém nos vai tirar, até porque enquanto não nos derem ouvidos, estaremos aqui para vos dar luta.
 
Carlos Vargas
Publicado em Carlos Vargas
domingo, 09 agosto 2020 14:43

A saúde mental do entretenimento

O verão em Portugal é sinónimo de festa, diversão e convívio. Não só festivais de verão com cartazes internacionais, mas sobretudo centenas de festas municipais e religiosas, bailes, convívios e concertos ao ar livre espalhados em todo Portugal e Ilhas. 

Por esta altura do ano é normal para quem trabalha no sector de entretenimento toda a azáfama, correria, poucas horas de sono. A criação de sorrisos e felicidade a milhares de pessoas é uma rotina diária. E tudo isto graças ao trabalho dedicado de milhares de técnicos, artistas, agências, seguranças, limpeza, comerciantes locais, carrocéis, entre outros.

O que está a acontecer no verão 2020 é uma nova realidade que nunca foi experienciada. 

Até que ponto estará em causa a saúde mental de todos os profissionais deste sector? E já agora a de todos os utilizadores finais, o público, que neste caso é apenas e só toda a população portuguesa? 

Ter contas por pagar e a família para sustentar é uma realidade que assusta qualquer indivíduo na nossa sociedade.

O sentimento de impotência é gigante. Ainda que se pense desesperadamente em trabalhar temporariamente noutro sector económico, permanece o "pequeno" problema de toda a economia portuguesa estar em baixa, numa altura em que a maioria das empresas entram em período de férias e o turismo externo cai a pique devido à pandemia. 

Para a maioria das pessoas não se vê grande solução, portanto. Isto obviamente potencia o desespero interno mental de qualquer indivíduo. Estão aqui em causa graves problemas de saúde para muitos milhares de pessoas, nomeadamente depressões, que poderão originar um ciclo destrutivo individual e familiar nos próximos meses. 

Para piorar tudo, há a incerteza total sobre o futuro do próprio sector. 

Quando nem sequer há uma luz ao fundo do túnel... fica tudo mais difícil de consciencializar, enfrentar e lutar.  Afinal de contas, se não sofremos de COVID podemos ainda assim sofrer outras consequências muito graves para a nossa saúde a longo prazo.

E o que irá acontecer à população em geral que se vê privada, ou muito limitada, de animação, convívio, reencontros...? Não há mesmo nenhuma forma de minimizar estes danos sociais? Já se percebeu que Portugal é dos poucos países Europeus onde nem sequer será autorizado abrir estabelecimentos de entretenimento num formato de horário normal noturno, absolutamente necessário para dar um boost de diversão e satisfação a todos.

Num país desenvolvido, toda esta temática do âmbito psicoemocional deveria ser abordada pelos governantes, comunicação social, etc. Contudo, mais uma vez Portugal ignora por completo a componente psicológica de uma grave crise num sector de atividade, e neste caso, do possível início de uma crise financeira em todo o país. Foi assim em 2010 e é agora com o COVID. 

Sobretudo no sector de entretenimento e cultura devemos por isso estar mais atentos e solidários uns com os outros, a todos os níveis. Nunca houve uma situação tão extremista de desaparecimento de atividade como a dos dias de hoje.

É importante e benéfico haver sempre concorrência num sector de atividade. No entanto um fator muito mais valioso se levanta: a saúde mental de todos nós, que irá fazer a diferença para que o sector se possa levantar mais rapidamente, assim que haja condições sanitárias e governamentais para tal.

A união, o apoio e o positivismo são absolutamente necessários para enfrentar os desafios e estigma social que ainda todos nós temos pela frente, enquanto durar a sociedade COVID19. 

#NãoVaiFicarTudoBem, mas podemos contribuir para que fique tudo melhor!
 
João Casaleiro
CEO Agência DO HITS
Publicado em João Casaleiro
domingo, 19 abril 2020 15:00

O impacto da pandemia na música

A pandemia devido ao novo COVID-19 chegou e é bem real. Já todos sentimos o grande impacto de todas as medidas que tiveram (e continuam a ter) de ser adoptadas pelo governo e Direção Geral de Saúde.

Assim sendo e inevitavelmente a minha crónica vai ser à volta deste tema, em particular da música electrónica, que como todos sabem, é a minha área.

Tendo em conta o grande risco de contágio, artistas como eu que vivem da música, assim como da cultura no geral, fomos dos primeiros a sentir todas estas drásticas acções que foram implementadas, tendo inicialmente numa grande maioria e de livre e espontânea vontade terem sido encerrados teatros, cinemas, museus, exposições, concertos, festivais, clubs, etc. Foi de uma enorme consciência e com imenso sacrifício que vimos isto a acontecer, antes do confinamento obrigatório. Lamentavelmente mas para o bem mútuo continuamos na mesma situação. 

O que não está bem a meu ver, são as medidas de apoio que não estamos a receber ou a ser implementadas. Dou como exemplo a tentativa do nosso Ministério da Cultura em apoiar certas entidades, numa fase em que ainda não atingimos o pico e a luz ao fundo do túnel ainda se encontra um pouco longe. Lançar um evento como o "Tv Fest" onde seriam apoiadas (e muito bem), mas apenas algumas entidades (aqui está um dos erros a meu ver).

Este projeto, criado pelo Governo no quadro de apoio, no âmbito da crise causada pela pandemia COVID-19, e destinado "exclusivamente" ao setor da música, tinha estreia marcada para quinta-feira 9 de Abril, no canal 444, nos quatro operadores de televisão por subscrição em Portugal e na RTP Play. 

De acordo com a ministra, seriam abrangidos "160 músicos", "de todos os estilos musicais", a quem era pedido que "envolvessem sempre equipas técnicas", o que significaria o envolvimento de "cerca de 700 técnicos", ao longo dos vários programas. Depois de anunciada, a iniciativa foi criticada por vários músicos, sendo lançada uma petição online - em menos de 24 horas, mais de 16 mil pessoas subscreveram essa petição. O Festival foi desta forma suspenso, mas não cancelado, de forma a supostamente ser repensado.

Estamos, sem dúvida, a passar uma fase que nunca pensaríamos e enquanto refletimos nisso as coisas no geral vão ficando piores. As medidas de apoio têm que ser implementadas e surgir com uma visão mais abrangente e global, onde o benefício deverá ser repartido igualmente ou então beneficiar os que passam mais dificuldades, como é o caso de entidades mais pequenas ou mesmo locais, uma análise do lucro individual "versus" os gastos, seriam uma boa equação para chegar a um resultado mais satisfatório e justo, porque a realidade é que estamos todos no mesmo barco, e não apenas a secção mais "mainstream", que foi a "fórmula" desenhada para direcionar esta iniciativa. 

Por outro lado, numa outra instância, acho que o que deveria ser realmente feito era canalizar esses fundos para o nosso SNS e a luta da frente contra o vírus. 

No meu caso em particular, estou, como todos sabem, com os eventos suspensos, algo que foi também comunicado muito antes de ser obrigada a faze-lo, tanto eu como a minha agência achámos por bem antecipar tudo isto que viria a acontecer, por nós e por todos. Vou acompanhado positivamente o desenrolar da situação e mantendo todos os cuidados necessários e sugeridos pela DGS. 

Como artista que sou, a minha função é divulgar a música electrónica em paralelo com divertir as pessoas, e agora mais que nunca isso é necessário, algo que também estou a fazer, através de livestreams, publicações e outras ações em que decidi participar.

Para ocupar o meu tempo, tenho estado no estúdio onde ouço diariamente bastante música nova, estou a preparar novos releases meus e da minha editora Digital Waves, assim como a gravar o meu Radioshow semanal na Nova Era e mensal na Nove3Cinco. Tenho feito também exercício por casa e mantido uma alimentação relativamente saudável.

Nesta fase é muito importante manter o positivismo, e, claro, dentro dos possíveis ficar em casa ou da forma mais segura possível, manter a actividade física e fazer o máximo por assegurar o bom funcionamento do sistema imunitário.

Tudo vai passar, tudo vai ficar bem, mas agora temos que pensar em nós e naqueles que diariamente arriscam as suas vidas para combater esta pandemia que nos apanhou de surpresa. Agora, não vamos deitar tudo a perder e recomeçar o confinamento de novo... está nas nossas mãos. 

Quero aproveitar para deixar um sentido agradecimento aos nossos "heróis" que têm sido incansáveis: médicos, enfermeiros, transportadores, staff dos supermercados, farmacêuticos, trabalhadores de companhias aéreas, motoristas de transportes públicos, etc. 

Fiquem seguros, olhem pela vossa saúde e pela dos outros, vamos voltar a dançar até de manhã com sorriso de orelha a orelha, mas agora temos que lutar, todos juntos!

Esta crónica foi redigida a 13 de Abril 2020, pelo que atendendo à conjuntura atual, pode ficar desatualizada num curto período de tempo.
 
Publicado em Miss Sheila
quinta, 28 março 2019 21:30

A Indústria e a Integridade Criativa

Os termos Artista e Criação podem ser muito relativos se tivermos em linha de conta todas as necessidades de uma Indústria absolutamente focada na massificação e na componente financeira em detrimento da liberdade artística. Até onde a nossa liberdade criativa se pode sobrepor à realidade quando temos que ter em linha de conta que nada mais do que uma simples opinião muitas vezes pode ser escrutinada até à exaustão, muitas vezes por pseudo-críticos que percebem tanto da nossa Arte de fazer música como eu percebo de cirurgias cardíacas. Infelizmente sou obrigado a chegar à conclusão que como Artistas a nossa liberdade criativa vai até onde a Indústria precisa, é ela que dita as regras, as necessidades e as tendências. 

Posto isto, pergunto eu de uma forma muito directa, o que percebe a Indústria de criatividade, sensibilidade ou originalidade? Serei obrigado a dizer absolutamente nada. Há muitos anos os Artistas ditavam as tendências com a sua criatividade, livre de segundas intenções e absolutamente pura do ponto de vista dos resultados. Não havia redes sociais, não havia estudos de mercado, ou se gostava ou não. Paralelamente a esta maneira de colocar a Arte, temos hoje em dia uma realidade onde o Criativo é literalmente encostado à parede. Alguém acha que o mercado precisa disto, existe um nicho para determinado tipo de "produto" e é isso que se procura. E quem quer fazer uma carreira guia-se pelas directrizes impostas. Torna-se absolutamente banal um qualquer compositor afirmar que tem a fórmula mágica, fórmula essa que lhe foi demonstrada por uma realidade comum e que poderá ou não ser seguida, correndo nós o risco de sermos considerados "infiéis" se optarmos por fugir ao rebanho e apresentamos algo que seja considerado fora do padrão porque todos nos devemos reger. 

É evidente que existem sempre fugas à tirania industrial, o que graças às mesmas redes sociais, que tanto aniquilam os verdadeiros criativos, curiosamente acabam por ajudar a furar a hierarquização implementada, fazendo com que mesmo sem termos os padrões ditos consensuais conseguimos chegar ao "paraíso". É evidente que dada a globalização das artes, os diferentes serão sempre meros influenciadores de minorias, se bem que por vezes uma minoria pode dar lugar a um culto que nenhuma máquina industrial oleada ou organizada consegue combater. Ao longo dos anos temos tido os mais variados exemplos de "rebeldes" que acabaram por encostar às cordas a promiscuidade negocial de um mercado absolutamente agarrado a um pagamento de favores e troca de identidades por desvios mais fáceis para os objectivos pretendidos, ganhando respeito das entidades ditas especialistas, não de uma forma natural mas porque também estas perceberam que a equação não tem que ser exata. O que seria de nós se um dia alguém tivesse chegado perto dos Beatles e lhes tivesse dito que estavam errados na sua visão, porque comercialmente não iria resultar? 

E como estes teria centenas de exemplos para vos dar, nos mais variados sectores da Arte. A personalidade Artística acaba por ser o nosso único trunfo perante uma realidade em absoluta decadência e tentativa de monopolização da criação, o que me parece absolutamente desprovido de qualquer sentido de lógica. Quem cria deve ser livre física e espiritualmente para conseguir transportar de dentro de si cá para fora uma forma de comunicação que cada um de nós, como seres humanos, temos para oferecer de uma maneira muito singular. Cada um de nós é especial, seja a pintar um quadro, a escrever um poema ou a compor uma música. Hoje em dia tudo gira à volta da imagem, de quem tem mais seguidores, quem influencia mais, quem choca mais. Na minha opinião, a liberdade criativa é o maior dom que nos foi conferido e se alguém nos está a tentar retirar isso, devemos cerrar os punhos e lutar com todas as nossas forças para que jamais esse objectivo seja alcançado. 

Como Artista sou muito pouco flexível naquilo que é a minha identidade criativa, admito. Tenho a perfeita noção que pago a minha fatura por isso, mas tenho a certeza que estou a contribuir para a defesa de todos aqueles que no futuro sejam também essencialmente focados na criação e no transmitir vibrações e sensações únicas uns para os outros, que no final das contas é a principal função de quem tem a responsabilidade e o dom de poder oferecer algo para a posteridade. O importante não é o agora, mas sim o que deixamos para o futuro. A presunção de pensarmos que somos os mais importantes só porque estamos no nosso tempo acaba por ser actualmente o maior pecado da sociedade criativa em geral.
 
Carlos Vargas
Publicado em Carlos Vargas
domingo, 16 setembro 2018 22:47

Os "ginastas" da Dance Scene

O motivo da minha crónica deste mês vem na sequência de um post de um DJ que li há alguns dias numa das suas redes sociais em que dizia "isto é o que eu faço quando me pedem para tocar EDM" e fazia um gesto com a mão e o dedo do meio erguido dizendo também no mesmo post "I'm a Techno addict!". Como eu tinha a noção que o dito DJ tinha produzido há relativamente pouco tempo temas originais/remixes de EDM que tinha visto à venda no Beatport e que até tinha uma agenda internacional preenchida, fui um pouco atrás na sua rede social e realmente estavam lá os posts relativos a "great EDM Remix", vídeos no estúdio "what a EDM BOMB!", fotos com alguns dos artistas EDM do momento, etc. E fiquei realmente um pouco confuso...
 
O motivo da minha surpresa não é o facto de o DJ em questão ter mudado de estilo. Acho isso perfeitamente normal e faz parte do nosso percurso, quer como artistas, quer como pessoas. O que me faz muita confusão é como certos artistas podem, num momento querer ser os maiores num determinado estilo musical, porque está na moda e quando este deixa de estar na moda já é uma porcaria, já "passou o seu tempo" ou "isto é o que eu faço quando me pedem para tocar...". Essa parte já não entendo. Se até há pouco tempo querias ser o "novo príncipe do EDM", não podes, passado um ano e meio, dois anos, dizer que "isto é o que eu faço quando me pedem para tocar EDM" com um gesto obsceno. Até porque hoje em dia temos a internet que regista tudo o que publicamos, para sempre. E se vais publicar que és um "techno addict" e que "EDM sucks", ao menos apaga os posts anteriores onde dizes que estás a produzir a próxima "bomba EDM" ou que "respiras EDM". É o mínimo que se pode fazer em nome da coerência.
 
Entendo que seja o estilo musical mais "underground" que está na moda, mas ver alguns artistas (e muitas pessoas) que até à bem pouco tempo diziam mal do techno em favor de outros estilos (não só EDM) que agora são "techno addicts" faz-me alguma confusão. 

É verdade que o techno está na moda há já alguns anos e que parece que assim se vai manter durante algum tempo. Obviamente que não tenho nada contra isso até porque toco alguns temas techno nos meus sets, apesar de não ser um DJ cuja base seja esse estilo. Gosto de alguns dos temas que saem neste momento, embora já não seja tão fã da "nova" moda do techno mais rápido (para cima de 130/132 BPMs) que é bastante popular neste momento e que projectou vários DJs para a ribalta nos últimos tempos. Talvez porque, embora para a malta mais jovem seja uma sonoridade nova, alguns dos temas que estão na moda aos meus ouvidos soam-me ao techno que se tocava nos anos 90, inícios de 2000 com alguns sons novos, mas cuja base é bastante parecida e por isso não me soa a "novidade". Mas o certo é que há milhares de pessoas que seguem esse estilo e que enchem pavilhões, clubs, eventos e que para eles é uma sonoridade totalmente nova, coisa que entendo perfeitamente e que respeito totalmente. 

Mas será mesmo necessário que de repente quase toda a gente "viva para o techno", "respire techno" e seja "techno fanatic"? Entendo que seja o estilo musical mais "underground" que está na moda, mas ver alguns artistas (e muitas pessoas) que até à bem pouco tempo diziam mal do techno em favor de outros estilos (não só EDM) que agora são "techno addicts" faz-me alguma confusão. 

Tal como disse antes, obviamente que não tenho nada contra os artistas que mudam de estilo musical, isso faz parte do percurso de vida, da evolução pessoal de cada um, e é uma situação perfeitamente normal. O que me faz confusão é o aproveitamento de alguns em "mudar" para o estilo que está na moda dizendo mal do estilo que lhes deu muito dinheiro a ganhar. Quer publicamente quer em privado. Os Ingleses têm uma expressão para isso, chamam-lhe "jump on the bandwagon".

PS: Recentemente o DJ e produtor de EDM Hardwell comunicou que ia fazer uma pausa nos seus gigs por tempo indefinido para se dedicar a ser "Robbert e deixar de ser Hardwell 24 horas por dia" devido à pressão que isso significava na sua vida pessoal e ao efeito que estava a ter sobre a sua criatividade como artista. O que me levou a ler mais uma vez a crónica anterior que escrevi para a 100% DJ sobre o falecimento de Avicii. A vida de um DJ de topo com uma agenda internacional como Avicii ou Hardwell tinham, não é nada fácil. Felizmente Hardwell percebeu onde estava o seu limite e conseguiu parar a tempo...
 
Carlos Manaça
DJ e Produtor
 
(Carlos Manaça escreve de acordo com a antiga ortografia)
Publicado em Carlos Manaça
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